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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Oito ministros, oito casos de corrupção - no governo Lula.


Oito ministros do governo Lula.
Oito casos de corrupção


Logo no primeiro ano de governo Lula, em 2003, uma crise expôs a ministra da Assistência e Promoção Social, Benedita da Silva (PT-RJ). Ela viajou para a Argentina e se reuniu com um grupo de evangélicos. O compromisso de natureza particular, porém, teve despesas pagas pelos cofres públicos. Benedita da Silva tentou escapulir do problema ao alegar que participou de reuniões de trabalho em Buenos Aires. Assim justificaria gastos com dinheiro do contribuinte. Não colou. Perdeu o emprego de ministra em janeiro de 2004.

Enquanto o escândalo do mensalão vinha à tona, em maio de 2005, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinava a abertura de inquérito criminal para investigar outro ministro de Lula. Romero Jucá (PMDB-RR), da Previdência Social, era suspeito de fazer uso irregular de empréstimos concedidos pelo Basa (Banco da Amazônia) a um frigorífico de sua propriedade. Apesar de receber dinheiro para implementar a Frangonorte, Jucá não pôs o negócio para funcionar. Pior: os empréstimos teriam sido obtidos mediante fraude, com a garantia de sete fazendas que, simplesmente, não existiriam.

Lula decidira nomear Romero Jucá, apesar das denúncias que pesavam sobre ele: além do empréstimo bancário que escancarara propriedades rurais fantasmas, havia acusações de desvio de verbas públicas, compra de votos, transações suspeitas com emissoras de rádio e televisão em nome de laranjas e até a contratação ilegal de empresas de limpeza em Boa Vista. A capital de Roraima era administrada pela prefeita Teresa Jucá, mulher de Romero Jucá. As empresas investigadas fraudariam o peso do lixo para aumentar o faturamento. O Ministério Público descobriu até o caso de um cachorro morto, recolhido pelo serviço de coleta de lixo de Boa Vista. Pesava 400 quilos...

Romero Jucá não se sustentou no cargo. Deixou de ser ministro, mas voltou forte no segundo mandato de Lula como líder do governo no Senado. Enrolou-se novamente. No final de 2007, a Polícia Federal deflagrou a Operação Metástase, a fim de debelar um esquema de fraudes na Funasa (Fundação Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde). Entre os mais de 30 presos, acusados de desviar R$ 34 milhões, estava o coordenador da Funasa em Roraima, ex-deputado Ramiro José Teixeira. Ele fora nomeado para chefiar o órgão por indicação de Jucá, dois anos antes. De acordo com as investigações, era o líder do esquema de corrupção.

A Funasa deveria cuidar de saneamento básico e da assistência à saúde de populações indígenas. As fraudes tinham origem em verbas federais provenientes de emendas parlamentares da bancada de Roraima no Congresso. Romero Jucá destinou R$ 10,5 milhões em emendas à Funasa de Roraima em 2007. Os desvios ocorreriam na compra de remédios, contratos de saneamento básico e de transporte aéreo para atendimento médico. Lula não deu demonstrações de se importar. Manteve o seu líder de governo no Senado. Em dezembro de 2007, Romero Jucá foi formalmente denunciado ao STF (Supremo Tribunal Federal) pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. O líder

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de Lula teria obtido, de forma fraudulenta, empréstimo de R$ 3,1 milhões junto ao Basa (Banco da Amazônia), em 1996. O dinheiro deveria ter viabilizado o tal abatedouro. Entre as acusações a Jucá, desvio de parte dos recursos da operação de crédito destinada à Frangonorte e problemas com as propriedades inexistentes, relacionadas como garantia. Duro para Lula, porém, foi perder ainda no primeiro mandato, em 2005 e 2006, o “núcleo duro” do governo formado pelos ministros mais próximos: José Dirceu (PT-SP), da Casa Civil, braço-direito e capitão do time; Antonio Palocci (PT-SP), que deu estabilidade à economia ao garantir a manutenção das regras do jogo e acalmar os mercados; e Luiz Gushiken (PT-SP), da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, responsável pelo setor de publicidade, justamente o mais exposto pelo escândalo do mensalão, graças ao envolvimento de Marcos Valério, dono de agências de propaganda. Gushiken também tinha ascendência junto aos poderosos fundos de pensão, envolvidos em operações suspeitas que somavam dezenas de milhões de reais.

Dissecamos aqui o envolvimento de Dirceu com o esquema de corrupção. O nome dele aparece em praticamente todos os arranjos e tramas com dinheiro de caixa 2. Sua imagem começou a se desfazer com o caso Waldomiro Diniz. Dirceu não teve saída. Foi obrigado a abrir mão de seu braço-direito na Casa Civil, pois uma fita mostrava Diniz pedindo propina a um empresário do jogo. O esquema de Dirceu foi sempre muito pesado. Passavam por ele todas as decisões importantes que envolviam interesses do PT, bem como a estratégia e os métodos adotados para obter apoio da base aliada no Congresso. Onipresente, Dirceu teria sido receptor de dinheiro desviado de Santo André (SP) nos tempos de Celso Daniel (PT), por exemplo, ao mesmo tempo em que salvava a pátria ao levar pessoalmente mala de dinheiro a Londrina (PR) a fim de irrigar as finanças combalidas de uma campanha eleitoral do PT.

Os tentáculos de Dirceu estavam por todos os lugares. Se jogadas que poderiam representa rdezenas de milhões de dólares, como o acerto perseguido pelo PT junto ao grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, transitavam sob seus domínios, coisas menores não eram menosprezadas. Em Campina Grande (PB), por exemplo, cidade pobre do sertão semi-árido, um arranjo teria levado a administração municipal do PT a entregar “mesada” de R$ 600 mil a Marcelo Sereno, outro importante assessor de Dirceu na Casa Civil. Um depoimento obtido pelo Ministério Público indicaria que a “mesada” acabaria mesmo com Dirceu, para o uso que achasse conveniente.

Cabe relatar o ocorrido em Mauá (SP), cidade vizinha a Santo André na Grande São Paulo, durante a administração do prefeito Oswaldo Dias (PT). Na época, Dirceu era presidente nacional do PT. O nome dele foi mencionado num relato sobre corrupção feito pelo ex-secretário municipal de Habitação, Altivo Ovando Júnior, que concedeu entrevista ao repórter Rodrigo Pereira, do jornal O Estado de S. Paulo, em maio de 2006:

- O ex-ministro José Dirceu esteve no gabinete do ex-prefeito de Mauá Oswaldo Dias, no período em que o senhor foi secretário?
- Ele foi várias vezes ao gabinete do prefeito. Teve vários encontros, era comum comparecer lá.

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- O senhor presenciou essas conversas? Ele falava sobre arrecadação de dinheiro para o PT?

- Ele comentava abertamente que era obrigatório ter esquema de arrecadação de dinheiro, que todo município petista participava. Os esquemas de arrecadação eram obrigatórios em todas as cidades.

- Envolvia o quê? Contratos de ônibus, de lixo?

- Eu não gerenciava, nunca gerenciei. Mas com lixo e construtoras era em todas as prefeituras. Era aberto, todo mundo sabia que envolvia construtoras, contratos de lixo, essas coisas. Hoje isso está público, todo mundo conhece. Mas eles sempre fizeram, sempre existiu essa indústria de arrecadar dinheiro.

Trecho do inquérito enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal) pelos promotores Amaro Thomé, Roberto Wider e Adriana Soares de Morais:

“José Dirceu, que se auto-intitulava paradigma da ética e da probidade, hoje figura como denunciado porque seria o idealizador e principal articulador de um mega-esquema de corrupção, que teve como um dos laboratórios, justamente, a cidade de Santo André.”

Vale registrar o depoimento de Ruy Vicentini, tesoureiro do PPS paulistano. Ele relatou ao Ministério Público, em julho de 2005, um esquema de entrega de dinheiro a vereadores durante o mandato da prefeita Marta Suplicy (PT) em São Paulo (2001-2004). O objetivo era garantir maioria parlamentar ao governo petista na Câmara Municipal. Ruy Vicentini mencionou Mario César Aga, chefe da Assessoria Parlamentar da Secretaria de Governo:

- Mario Aga falava que o esquema na Câmara Municipal era de grana e que não tinha mais jeito de outra negociação. Se a Prefeitura quisesse parar alguma investigação sobre a administração era na base do dinheiro, e que cada votação tinha um valor.

Em sua acusação, Ruy Vicentini citou os secretários municipais Rui Falcão, Carlos Zarattini e Valdemir Garreta, todos do PT:

- O secretário de Governo de dona Marta, Rui Falcão, organizou, a partir de seu gabinete, o caixa único. O Zarattini e o Garreta arrecadavam o dinheiro dos empresários de ônibus e do lixo, e o que sobrava era enviado para o gabinete do José Dirceu.

Após ser afastado do Ministério da Casa Civil e ter o mandato de deputado federal cassado em 2005, Dirceu continuou forte, dando as cartas no PT e, em grande medida, influenciando o governo Lula, inclusive no segundo mandato.

Antonio Palocci, por sua vez, caiu do governo Lula porque se negou a admitir que frequentou uma casa em Brasília na qual seu grupo de amigos fazia festas com prostitutas.

Preferiu se envolver com o crime de quebra do sigilo bancário do caseiro, a testemunha de que ele também esteve com garotas de programa. Grave mesmo contra Palocci, no entanto, foram as fortes evidências do esquema de corrupção montado em Ribeirão Preto (SP), na época em que ele foi prefeito da cidade. Palocci teria recebido propina de uma prestadora de serviços. A denúncia veio de um amigo, com quem manteve relações ao longo dos anos, inclusive no período do Ministério da Fazenda.

Luiz Gushiken, amigo pessoal de Lula, teve a vida complicada, entre outros motivos, pela confissão de um auxiliar próximo, que ocupava o cargo estratégico de diretor de Marketing do Banco do Brasil. Os fatos foram aqui relatados, da mesma forma que a relu-

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tância de Lula. O presidente da República fez o diabo para tentar não perder seus auxiliares mais próximos. No caso de Gushiken, somou-se ainda a confusão com a publicidade do governo nas revistas de Luis Leonel, seu cunhado, que conseguiu a proeza de praticamente dobrar o faturamento durante a administração federal do PT. Como se não bastasse, empresa ligada a Gushiken, a Globalprev, firmou contrato sem licitação com a Petros, o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras. No período de Gushiken à frente da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, a influência do ministro junto aos fundos de pensão teria ajudado a Globalprev, especializada na preparação de planos de aposentadoria. A empresa teria obtido um dos maiores crescimentos registrados no País, no ramo da previdência complementar.

O sexto ministro suspeito de corrupção afastado do governo Lula foi Silas Rondeau Cavalcanti Filho, de Minas e Energia, da cota do PMDB. Os senadores José Sarney (PMDBAP) e Renan Calheiros (PMDB-AL), na época presidente do Senado, foram os responsáveis por sua indicação. Silas Rondeau chegou a presidir a Eletronorte e a Eletrobrás no governo Lula, mas aguentou pouco tempo como ministro. Ao nomeá-lo, em julho de 2005, Lula discursou:

- O Silas tem 30 anos de experiência no setor elétrico. Foi chamado não por minha amizade, ou pela do Sarney ou do Renan, mas por sua competência.

Em 17 de maio de 2007, a Polícia Federal deflagrou a Operação Navalha. Silas Rondeau caiu cinco dias depois. Além de ministro, Rondeau tinha assento nos Conselhos de Administração de Itaipu e da Petrobras, pelo qual recebia R$ 17 mil mensais. Durante a ação dos federais, foram presas 46 pessoas, todas acusadas de pertencer à quadrilha capitaneada pela empreiteira Gautama, do empresário Zuleido Soares Veras. A organização criminosa agiria em vários Estados, principalmente no Nordeste, com tentáculos poderosos em Ministérios e prefeituras. A Polícia Federal mapeou o desvio de R$ 100 milhões. O bando forjava obras fantasmas, fraudava contratos de saneamento básico, construção de pontes, estradas e do programa federal Luz para Todos, com o intuito de pôr as mãos em dinheiro público. Liderado por Zuleido Veras, preso durante a operação, o esquema envolveria uma rede de agentes políticos, funcionários públicos, lobistas, sócios e empregados. Entre os métodos da chamada “máfia das obras”, a entrega de somas de dinheiro, carros de luxo e o pagamento de viagens a integrantes do bando, todos acusados por fraudar licitações, corrupção ativa e passiva, tráfico de influência e lavagem de dinheiro.

Um dos presos foi Ivo Almeida Costa, que manteria ligações com os senadores José Sarney e Renan Calheiros. Era chefe de gabinete e braço direito de Silas Rondeau. Durante dez anos acompanhou-o como homem de confiança, inclusive no governo Lula. Foi acusado de participar de fraude no Luz para Todos. Figura carimbada ao lado do ministro, Ivo Almeida Costa era encarregado das relações com parlamentares e empresários. Ligeiro, Rondeau demite-o no mesmo dia da prisão. O ministro também providenciaria o imediato afastamento de Jorge Targa Juni, presidente da Cepisa (Companhia Energética do Piauí), preso durante a operação.

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A Polícia Federal cogitou prender o próprio Silas Rondeau, acusado de receber propina da Gautama para fraudar o Luz para Todos no Piauí. Os federais interceptaram diálogos telefônicos, com autorização da Justiça, entre Ivo Almeida Costa e Zuleido Veras. A conversa entre os dois mencionou uma funcionária da Gautama, Tereza Freire Lima. Do inquérito policial:

“Ivo liga, Zuleido fala que o ‘negócio vai chegar hoje de tardezinha com Tereza, aí Tereza vai passar para você’. Ivo fala que está bom”.

Um outro diálogo, entre Zuleido Veras e Tereza Freire Lima, no qual a funcionária se refere a Ivo Almeida Costa:

‘Tereza diz que ele falou que tinha um compromisso hoje à noite e pediu para ela guardar, pois só poderia pegar a encomenda na terça. (...) Zuleido fala que, inclusive, tinha tirado 20 dele, mas
segunda tem que repor... é que o valor era 120’.”

Silas Rondeau caiu acusado de receber propina de R$ 100 mil. A ação da Polícia Federal, rastreando o dinheiro destinado ao ministro, é digna de roteiro de cinema. Os agentes federais seguiam Zuleido Veras e funcionários da Gautama. No dia 14 de março de 2007, por exemplo, fotografaram o funcionário Florêncio Brito Vieira sacando R$ 300 mil em agência da Caixa Econômica Federal em Salvador. O dinheiro seria enviado a Brasília. Entre os dias 20 de março e 3 de abril daquele ano, os suspeitos transportariam R$ 600 mil. Viajariam em aviões, com dinheiro escondido em sacolas, pastas e malas. Os policiais documentaram funcionários da Gautama fazendo saques em agências da Caixa e do Banco do Brasil na capital da Bahia. Em 9 de março, um empregado de Zuleido Veras fez um trato com um gerente do Banco do Brasil. Era para registrar um saque de R$ 145 mil em dois dias diferentes. Assim evitariam a comunicação de uma retirada acima de R$ 100 mil ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda). O dinheiro teria sido usado para subornar Adeílson Bezerra, secretário de Infraestrutura de Alagoas, também preso durante a Operação Navalha. Zuleido Veras levaria o dinheiro pessoalmente a Maceió. Para evitar que fosse identificado com a grana pelo sistema de segurança do aeroporto, pagou uma passagem para um funcionário, apenas para que ele trouxesse a soma até a sala do embarque. Lá, o dinheiro foi entregue ao dono da Gautama.

Em seguida, o empregado deixou a área e cancelou a viagem. Os R$ 100 mil destinados a Silas Rondeau seriam uma comissão pelo superfaturamento de R$ 2 milhões em trecho do Luz para Todos. As medições técnicas fraudadas apontariam despesas de R$ 7 milhões, mas o dispêndio deveria ter sido de apenas R$ 5 milhões. A licitação tocada pela Gautama, de R$ 70 milhões, levaria energia elétrica a 80 municípios do Piauí. A propina seria passada ao ministro em 13 de março de 2007. Florêncio Brito Vieira a teria transportado numa pasta. Ele sacou o dinheiro na Caixa Econômica Federal em Salvador e pegou avião para Brasília. No aeroporto da capital federal, seguido por agentes, encontrou-se com Tereza Freire Lima, a secretária particular de Zuleido Veras. Antes, ela já havia telefonado ao dono da Gautama para informar que Sérgio Luiz Pompeu Sá, apontado como lobista da empreiteira, aguardava com ansiedade o desfecho da operação.

Florêncio Brito Vieira pegou uma sacola vermelha vazia com Tereza Freire Lima e se dirigiu ao banheiro do aeroporto. Em seguida, devolveu a sacola para ela. O dinheiro estaria

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dentro. Os federais monitoraram a chegada de Maria de Fátima Palmeira, diretora financeira da Gautama, encarregada de transportar a propina até o Ministério de Minas e Energia. Fitas do circuito interno de segurança ajudaram a rastreá-la. Às 12h46, Maria de Fátima Palmeira entrou no elevador privativo do ministro, com a sacola a tiracolo, recheada de dinheiro. Três minutos depois, caminhou pela ala que dá acesso ao gabinete de Silas Rondeau. Às 13h22, Maria de Fátima Palmeira despediu-se de Ivo Almeida Costa, cuja sala de trabalho dava de frente para o gabinete do ministro, e foi embora pelo elevador de uso comum. Rondeau havia deixado o local um minuto antes, pelo elevador privativo.

A Polícia Federal dispõe de gravação comprometedora de conversa entre Zuleido Veras e Sérgio Luiz Pompeu Sá. Na conversa, Sérgio Sá relata que Silas Rondeau “está indócil com aquilo”, o que foi interpretado como um atraso na entrega da propina prometida. Sérgio Sá autorizou o acesso de Maria de Fátima Palmeira ao Ministério de Minas e Energia, por portaria privativa. Já nas dependências do Ministério, Sérgio Sá se reuniu com Ivo Almeida Costa e a representante da Gautama. Questionado posteriormente sobre Sérgio Sá, Silas Rondeau limitou-se a dizer que ele não era funcionário do Ministério. Rondeau também se complicaria ao negar ter se reunido com Zuleido Veras. O empresário esteve três vezes no Ministério, de acordo com investigações policiais, sendo que em uma delas se reuniu pessoalmente com o ministro. Em 18 de maio, dia seguinte da deflagração da Operação Navalha, Lula tirou Silas Rondeau de Brasília e o levou para Araguaína (TO), para ver obra de estrada de ferro. Providencialmente, carregou consigo Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, e fez elogios ao senador José Sarney (PMDB-AP). Tratou de proteger a todos. Lula recusou-se a falar sobre as investigações da Polícia Federal. Apenas discursou:

- Quero agradecer a presença do Renan, que atendendo a um convite meu veio conhecer a obra.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, dias depois, Renan Calheiros admitiu conhecer Zuleido Veras:

- Eu conheci o Zuleido há mais de 20 anos, quando ele trabalhava na OAS. Eu tenho relação com ele, mas não é uma relação frequente.

- Ele já foi à residência oficial do Senado?

- Não me recordo. Mas ele foi no gabinete, é normal. O que não pode haver é negócio.

Palavras de Renan.

Depois da viagem a Araguaína, Lula seguiu para o Paraguai. Levou Silas Rondeau a tiracolo. Lá, sabe-se que se reuniu separadamente com o ministro por 30 minutos. No dia seguinte, ainda em Assunção, Lula recusou-se a tratar do caso, dizendo aos jornalistas que, em seguida, no lado brasileiro da fronteira, falaria. Em Foz do Iguaçu (PR), o presidente evitou a imprensa. Ao desembarcar em Brasília, Silas Rondeau foi direto para a casa de José Sarney.

A reunião entrou pela madrugada. Na manhã seguinte, Sarney manteve encontro com Renan Calheiros e, depois, com Lula e Renan, juntos. Rondeau afastou-se do governo naquele mesmo dia.

Em 7 de dezembro de 2005, ainda em seu primeiro mandato, Lula concedeu audiência a políticos alagoanos interessados em implementar o chamado Sistema Pratagy, para abaste-

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cer Maceió de água tratada. As obras vinham se arrastando havia quase 25 anos. Renan Calheiros apresentou a reivindicação de mais verbas para os serviços. Justificou a necessidade de construir a barragem do rio Pratagy e as correspondentes adutoras e sub-adutoras.

As obras ficariam a cargo da empreiteira Gautama.

Oito dias depois da audiência, Lula assinou a Medida Provisória que traria R$ 70 milhões para o Sistema Pratagy. Era o contrato mais caro entre o Governo Federal e a Gautama, a beneficiar um Estado. Até o escândalo estourar, a União já havia liberado R$ 30 milhões para as obras. Com o detalhe: outros R$ 120 milhões de verbas federais foram previstos para o Sistema Pratagy no início do segundo mandato de Lula.

Dos R$ 30 milhões liberados, a CGU (Controladoria-Geral da União) estimou os desvios pelo grupo de Zuleido Veras em R$ 3,1 milhões. Com a Operação Navalha, os negócios ligados ao Sistema Pratagy provocaram o afastamento do secretário de Recursos Hídricos do Ministério da Integração Nacional, Rogério Menescal, e do secretário de Infraestrutura de Alagoas, Adeílson Bezerra, exonerado pelo governador Teotônio Vilela Filho (PSDB).

O esquema, conforme a Polícia Federal, começara na gestão do ex-secretário de Infraestrutura de Alagoas, Olavo Calheiros, na segunda metade da década de 90. Na época, a Gautama expandia os negócios em Alagoas. Olavo Calheiros, irmão de Renan Calheiros, teria ligação com Adeílson Bezerra, flagrado em escuta telefônica. Ele acertou o recebimento dos tais R$ 145 mil, a propina que teria sido levada pessoalmente por Zuleido Veras, em troca da liberação de R$ 3,1 milhões do contrato das obras do Sistema Pratagy. As medições teriam sido fraudadas e as obras, não executadas. Eleito deputado, Olavo Calheiros (PMDBAL) teria recebido R$ 400 mil da Gautama.
Outro chamuscado pela Operação Navalha foi o governador do Piauí, Wellington Dias (PT). De acordo com as investigações da Polícia Federal, era suspeita a proximidade da administração piauiense com o esquema de fraudes da Gautama. A empreiteira teria providenciado edital de licitação para obra do programa Luz para Todos, um encargo que deveria ser do governo estadual. Jorge Targa Juni, presidente da Cepisa (Companhia Energética do Piauí), aliás, como vimos, foi preso durante a ação dos federais. O inquérito policial apontou que o lobista Sérgio Sá “intermediou contatos com o governador Wellington Dias, Jorge Targa e o ministro Silas Rondeau”. Em determinada interceptação telefônica, Sérgio Sá revelou intimidade com Wellington Dias. Comentou com Zuleido Veras que sugerira ao governador trocar de advogado, contratando o mesmo profissional que atendia a Gautama.

Sérgio Sá relatou ter se reunido em Brasília com Wellington Dias e Silas Rondeau. Contou que combinou com o governador uma obra na rodovia BR-020, que seria direcionada para a Gautama e a Engemix. O lobista também teria ligação com essa segunda empresa. Trecho da gravação do telefonema:

“O Wellington Dias disse que quando assinar o convênio com a União, de delegação, aí ele se comprometeu, ele pessoalmente, ir no Lula e pedir para ser incluído no PPI”. PPI é a sigla para Projeto Piloto de Investimentos.

Em outro trecho de conversa captada pelos agentes federais, Sérgio Sá, referindo-se a conversa com Silas Rondeau, informaria que “estava tudo encaminhado” com relação ao
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resto do dinheiro destinado ao Luz para Todos. Por telefone, o lobista também disse a Zuleido Veras que “conversaram bastante sobre a questão dos editais” das obras no Piauí. No início de julho de 2007, um mês e meio depois da Operação Navalha, Lula sinalizou que nomearia Silas Rondeau novamente para comandar o mesmo Ministério de Minas e Energia. Na ocasião, Lula tratou de defender o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Ao referir-se a Silas Rondeau, Lula disse que o ex-ministro fora “injustiçado”:

- Ninguém provou nada contra esse rapaz.

Fazendo coro a Lula, o ministro da Justiça, Tarso Genro (PT-RS), afirmou:

- Eu examinei as peças, depois que o processo se tornou público, e não vi nenhum delito que pudesse ser imputado ou provado contra Rondeau. Em meados de outubro, cinco meses depois do escândalo, Lula voltaria a se manifestar em defesa do ex-ministro:

- Temo que os que acusaram o Silas é que vão ter que prestar uma boa explicação.

Vamos aguardar. O caso com a empreiteira Gautama envolveu outras celebridades ligadas ao partido do presidente. O senador Delcídio Amaral (PT-MS) foi citado nas gravações. Um amigo dele pediu ajuda a Zuleido Veras para pagar dívida de R$ 24 mil junto a uma empresa aérea. O senador contratou o voo, mas não pagou o aluguel do avião. Em 23 de maio de 2007, com o nome nos jornais, Delcídio Amaral informou ter quitado a dívida com um cheque pré-datado. A coisa pegou na Bahia, sede da Gautama. Ao efetuarem a prisão do prefeito de Camaçari (BA), Luiz Carlos Caetano (PT), os federais acharam em sua casa, em dinheiro vivo, R$ 142 mil. O Ministério das Cidades havia liberado R$ 11,5 milhões para a Gautama executar obra de urbanização contratada pela Prefeitura. O secretário de Obras de Camaçari, Iran César de Araújo e Silva, acabou preso com o prefeito durante a Operação Navalha. A Caixa Econômica Federal também estaria envolvida na maracutaia.

O governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), admitiu ter usado a lancha de luxo de Zuleido em novembro de 2006, em passeio com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT-RS), mas negou envolvimento com a Gautama:

- Eu o conheço, já o conhecia antes, já o vi em avião, no parlamento. Mas não tenho nenhuma intimidade com ele. Outro trecho das declarações de Jaques Wagner:

- Se alguém acha que eu vou beneficiar alguém por causa de um passeio de lancha, eu acho uma bobagem. Sinceramente, nem lembro da lancha.

Jaques Wagner, amigo do prefeito preso de Camaçari, fez comentários sobre presentes da Gautama entregues a políticos. Palavras do governador, apontando para um objeto dourado em cima da mesa de seu gabinete:

- A gente vai ter que escolher se está a fim de fazer a melhora da democracia ou se a gente vai ficar fazendo hipocrisia. Eu, como governador eleito, fim de ano, devem chegar 30, 40 gravatas, agenda, uma garrafa de vinho, uma faca de churrasco. Isso aí a Nestlé acabou de me dar de presente.

Uma das maiores jogadas da Gautama teria ocorrido em Mauá (SP), na Grande São Paulo. Licitação de R$ 1,6 bilhão seria direcionada, durante o mandato do prefeito Oswaldo

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Dias (PT), para beneficiar a Ecosama, um braço da Gautama criado justamente para tocar o contrato em Mauá. A concessão de Oswaldo Dias autorizou a Ecosama a gerenciar os serviços de captação e tratamento de esgotos de Mauá por 30 anos, o que daria uma receita mensal em torno de R$ 1,7 milhão para a empresa.

Uma semana antes do término do mandato de prefeito, em 23 de dezembro de 2004, Oswaldo Dias deu um presente a Zuleido Veras. Assinou, como “interveniente anuente”, dois empréstimos da Caixa Econômica Federal à Ecosama, no valor de R$ 42,7 milhões. Na prática, Oswaldo Dias tornou a Prefeitura de Mauá responsável pelos empréstimos à empresa, caso houvesse rompimento do contrato entre a Ecosama e a administração municipal, e a empresa alegasse não ter condições de quitá-lo. A Caixa Econômica Federal não exigiu propriedades ou bens para conceder os empréstimos e admitiu ter liberado R$ 15 milhões para a empresa de Zuleido Veras, antes da Operação Navalha. Os negócios com a Ecosama levaram o Ministério Público a pedir à Justiça a abertura de ação de responsabilidade civil por improbidade administrativa contra Oswaldo Dias. Em 2008, Oswaldo Dias foi novamente eleito prefeito de Mauá. O TCE (Tribunal de Contas do Estado) condenou a concessão que deu à empresa de Zuleido Veras os serviços de água e esgoto em Mauá. Considerou irregular a exigência de índice 3,0 (R$ 3,00 em conta bancária para cada R$ 1,00 de dívidas da empresa), quando a prática é um índice de 1 a 1,5. De 41 empresas que retiraram o edital, só duas foram habilitadas e chegaram a apresentar propostas. Conforme o relator do processo no TCE, conselheiro Edgard Camargo Rodrigues, “raríssimas seriam as empresas capazes de atender requisito com semelhante grau de rigorismo”.

Entre janeiro de 2004 e março de 2007, a Gautama teria recebido R$ 45,2 milhões em repasses diretos do Governo Federal. Depois do escândalo, a CGU (Controladoria-Geral da União) declarou a empreiteira inidônea. Na Câmara dos Deputados, manobra dos governistas enterrou a instalação da CPI da Navalha. O presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), ficou na incômoda situação de ter de responder se as contribuições de empreiteiras para campanhas eleitorais inibiriam os trabalhos da comissão de inquérito:

- Não posso admitir que nós criminalizemos a democracia com suposições que, eu diria, vão exatamente contra a representação popular. Acho que isso é um desserviço. A campanha de Arlindo Chinaglia a deputado federal, em 2006, recebeu R$ 412 mil de empreiteiras, quase um terço do total de doações declarado por ele. O presidente da Câmara foi o quinto parlamentar que mais recebeu dinheiro de empreiteiras. De acordo com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), 285 deputados e 40 senadores, aproximadamente a metade dos integrantes do Congresso Nacional, foram patrocinados por R$ 27 milhões doados por empreiteiras nas eleições de 2006. A Gautama, empreiteira média, não apareceu entre o grupo das que mais deram dinheiro.

Em 12 de maio de 2008, quase um ano depois da Operação Navalha, o Ministério Público Federal denunciou 61 pessoas ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Integrantes de “sofisticado grupo criminoso” foram acusados de envolvimento no esquema de corrupção da Gautama. Todos citados por formação de quadrilha, peculato, falsidade ideológica, fraudes em licitações, crimes
contra o sistema financeiro e corrupção ativa e passiva.

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Além do ministro Silas Rondeau e do empresário Zuleido Veras, foram denunciados os governadores do Maranhão, Jackson Lago (PDT), de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), e os ex-governadores do Maranhão, José Reinaldo Tavares (PSB), e de Sergipe, João Alves Filho (DEM). O grupo liderado pelo dono da Gautama visava a “obtenção ilícita de lucros através da contratação e execução de obras públicas, praticando, para tanto, diversos crimes autônomos, como fraudes a licitações, peculato, corrupção ativa e passiva, crimes contra o sistema financeiro, dentre outros delitos”.

Em outro trecho da denúncia, o Ministério Público Federal pontuou que o esquema “identificava nos Ministérios a existência de recursos destinados a obras públicas nos Estados e municípios. Em seguida, cooptava agentes políticos e servidores públicos para viabilizar a realização dos convênios entre os Ministérios e os entes federativos. (...) Posteriormente, passava a atuar na fase da licitação, para que a Gautama fosse vencedora no procedimento, seja isoladamente ou em consórcio com outras construtoras”. Silas Rondeau teria recebido propina para facilitar contrato de R$ 128 milhões e autorizar a construção de uma adutora em Sergipe. No caso da fraude no programa Luz para Todos no Piauí, a denúncia cita ações do lobista Sérgio Sá “junto a diversos órgãos públicos para dirigir à Gautama as obras de construção das redes que levariam luz elétrica à área rural do Piauí, além de atuação destacada no Ministério de Minas e Energia, mais especificamente com o então ministro Silas Rondeau, para viabilizar os termos aditivos aos contratos firmados entre a Eletrobrás, Cepisa e Gautama”.

O ex-ministro Silas Rondeau acabou acusado por formação de quadrilha, desvio de recursos públicos, gestão fraudulenta, corrupção ativa e passiva. Zuleido Veras recebeu 103 denúncias por corrupção ativa, três por peculato e ainda por formação de quadrilha e fraude em licitação. O dono da Gautama “estabelecia as diretrizes de atuação da quadrilha, coordenava e controlava as ações dos demais agentes, funcionários da empresa e intermediários”.

O senador Edison Lobão (PMDB-MA), ex-governador do Maranhão (1991-1994), afilhado político do senador José Sarney (PMDB-AP), substituiu Silas Rondeau no Ministério de Minas e Energia. Até 2010, seria o responsável por investimentos da ordem de R$ 275 bilhões.

Em outubro de 2008, o trio José Sarney/Silas Rondeau/Edison Lobão voltou ao noticiário “político”. A Polícia Federal do Maranhão acusou o empresário Fernando Sarney, filho de José Sarney, de tráfico de influência no Ministério de Minas e Energia, Eletrobrás, Eletronorte, Caixa Econômica Federal e na Valec, estatal federal responsável pela construção da ferrovia Norte-Sul.
A operação Boi Barrica, nome emprestado do folclore maranhense, investigou ligações de Fernando Sarney e empresários na intermediação de negócios privados com empresas estatais. A Polícia Federal chegou a pedir a prisão preventiva de Fernando Sarney. Acusou o de pertencer a uma organização criminosa. A rede de lavagem de dinheiro teria movimentado irregularmente mais de R$ 10 milhões em três anos. Fernando Sarney obteve habeascorpus no STJ (Superior Tribunal de Justiça) para não ser preso.

O ex-ministro Silas Rondeau foi apontado como integrante ativo do esquema. O ministro Edison Lobão, por sua vez, teve o nome citado como alvo de influência. Os diretores de

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estatais mencionados no relatório da Polícia Federal, todos do Maranhão, tinham ligações históricas com a família Sarney. A Polícia Federal pediu o bloqueio das contas bancárias de Silas Rondeau, Fernando Sarney, da mulher dele, Tereza Murad Sarney, da filha do casal, Ana Clara Sarney, de Ulisses Assad, diretor da Valec, de Astrogildo Quental, diretor da Eletrobrás, e dos empresários Flávio Lima e Gianfranco Perasso.

Em gravação captada pela Polícia Federal com autorização da Justiça, Fernando Sarney conversa com Giancarlos Perasso e menciona Flávio Lima. Para a Polícia Federal, “dois americanos” seriam US$ 2 milhões. O trecho do diálogo começa com Fernando Sarney: - Isso, eu falo se é possível, se a gente tem condições de imediato, a minha intenção é que, eu falei com quase dois americanos, mas não cheguei a tanto, não... Mas você sabe do que eu preciso, né? São aqueles problemas que você sabe, você tem ideia da coisa, o Flavinho pode te dar uma ideia melhor, mas é algo próximo disso, tá?

- Tá, dois inteiros, né?
- É algo em torno, vou definir isso com o Flavinho aqui e você veria exatamente como
seria feito, tá?

Em 22 de novembro de 2007, outra baixa. O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, denunciou ao STF (Supremo Tribunal Federal) 15 pessoas acusadas de envolvimento no chamado “mensalão mineiro”. Entre os denunciados, o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG). Ele deixou o governo Lula no mesmo dia. O esquema de corrupção, investigado em Minas Gerais, ocorreu em 1998, durante a campanha para a reeleição do governador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Walfrido dos Mares Guia era vice-governador na época, homem de confiança do governador e atuante na campanha eleitoral. Eduardo Azeredo, que perdeu aquela eleição para Itamar Franco (PMDB-MG), seria eleito senador quatro anos depois. O candidato a vice-governador de Eduardo Azeredo na eleição de 1998, Clésio Andrade, foi denunciado. Ele havia sido sócio do empresário Marcos Valério, acusado de operar o esquema ilegal. Como se sabe, Marcos Valério chegou ao estrelato em 2005, durante o escândalo do mensalão do governo Lula. No caso do mensalão mineiro, que também resultou em denúncia contra Valério, o esquema de desvio de dinheiro público e a distribuição de valores tiveram a finalidade, pelo que se apurou, de eleger Eduardo Azeredo para um segundo mandato de governador. No esquema do governo Lula, diferentemente, o dinheiro ilegal remunerou parlamentares que apoiavam a administração federal.

De acordo com o procurador-geral da República, o esquema em Minas Gerais, sete anos antes, serviu como “origem e laboratório” do esquema do mensalão que favoreceu Lula. Antonio Fernando de Souza denunciou Walfrido dos Mares Guia, o senador Eduardo Azeredo e Marcos Valério. Todos foram citados sete vezes por peculato (desvio de dinheiro público) e seis vezes por lavagem de dinheiro (dissimulação da natureza e origem do dinheiro). Outro acusado importante foi Cláudio Mourão da Silveira, secretário de Administração de Eduardo Azeredo, escolhido para ser o responsável pela coordenação financeira da campanha de 1998.

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Entre as operações que engordaram o mensalão mineiro, o procurador-geral da República relatou sete empréstimos bancários de Marcos Valério para a campanha de Eduardo Azeredo, no total de R$ 28,5 milhões, mais R$ 3,5 milhões desviados das estatais mineiras Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), Comig (Companhia Mineradora de Minas Gerais) e Bemge (Banco do Estado de Minas Gerais). Há suspeitas, ainda, sobre R$ 1,6 milhão, de outra estatal mineira, a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais). O dinheiro teria sido destinado à agência de publicidade SMPG, de Valério.

Trecho da denúncia: “Diante da demanda de recursos que a campanha eleitoral exigiria, Eduardo Azeredo, Walfrido dos Mares Guia, Cláudio Mourão e Clésio Andrade, tendo em vista a condição de integrantes da cúpula do Estado de Minas Gerais e da organização da campanha eleitoral, delinearam o modo de atuação que seria empregado para viabilizar a retirada de recursos públicos da Copasa, Comig e Bemge”. Para anotar: o presidente do Bemge na época era José Afonso Bicalho Beltrão da Silva. Quando o escândalo foi denunciado pelo procurador-geral da República, José Afonso Bicalho ocupava o posto de secretário de Finanças do prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT). Apesar de denunciado ao STF, José Afonso Bicalho não perdeu o cargo. Dos R$ 500 mil que saíram do Bemge para divulgar evento esportivo naquele ano de 1998, não se encontrou documentos que pudessem justificar o patrocínio do banco estatal.
Sobre o ex-vice governador e ministro de Lula, conforme a denúncia: “Walfrido dos Mares Guia sabia da captação ilícita de recursos e concorreu para a engrenagem ilícita de financiamento, razão pela qual não hesitou em participar da operação destinada a atender exigência de Cláudio Mourão, que cobrava de Eduardo Azeredo o pagamento da dívida.

Atender a demanda de Mourão significava impedir qualquer tipo de publicidade para os crimes perpetrados em 1998.”

Aqui, Walfrido dos Mares Guia se enrolou: investigações mostraram que a Samos Participação,
empresa dele, fez operação de crédito de R$ 500 mil no Banco Rural, em 2002. O dinheiro, conforme Walfrido, foi empréstimo dele ao amigo Eduardo Azeredo, e não precisava nem ser devolvido. De fato, não o foi. A bolada seguiu para uma conta bancária de Marcos Valério, que a usaria para quitar dívidas de caixa 2 da campanha de 1998. Era uma exigência de Cláudio Mourão. Desconfia-se que o dinheiro serviu mesmo para manter Cláudio Mourão calado. Valério teria repassado outros R$ 700 mil ao mesmo Mourão, para assegurar os segredos da campanha de 1998. Detalhe: os avalistas do empréstimo de R$ 500 mil são os próprios Walfrido dos Mares Guia e o ex-governador Eduardo Azeredo. Mais um detalhe: a Receita Federal apurou que a Samos Participação, de Walfrido, movimentou R$ 22,2 milhões naquele ano de 2002, mas declarou apenas R$ 1,1 milhão de receita. Outro trecho da denúncia do procurador-geral da República envolve Walfrido dos Mares Guia e o publicitário Duda Mendonça. O mesmo Duda que ocupou lugar de destaque no escândalo do mensalão, por ter admitido o recebimento de dinheiro de caixa 2 para pagar a campanha eleitoral que elegeu Lula em 2002. Pois bem: por coincidência, Duda foi o publicitário responsável pela campanha de Eduardo Azeredo em 1998. Da denúncia do procurador: “Walfrido dos Mares Guia era vice-governador do Estado de Minas Gerais em 1998, eleito em 1994, quando foi o coordenador financeiro da campanha. Em 1998, lança-se como

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candidato a deputado federal e participa ativamente dos destinos financeiros e políticos da disputa eleitoral. Ele negociou a contratação de Duda Mendonça, por intermédio de Zilmar Fernandes, pelo montante de R$ 4,5 milhões, sendo que o valor oficialmente declarado foi de apenas R$ 700 mil.” Zilmar Fernandes da Silveira, sócia de Duda, também ganhou projeção no escândalo do mensalão em 2005. Voltando: Walfrido dos Mares Guia elegeu-se deputado em 1998. Obteve imunidade. Conforme o relatório de Antonio Fernando de Souza, Cláudio Mourão admitiu, em depoimento à Polícia Federal, que os R$ 4,5 milhões de Duda foram acertados com Walfrido e o pagamento, feito com dinheiro emprestado por Marcos Valério no Banco Rural. Segundo o procurador-geral da República, os empréstimos de Valério no Rural, da mesma forma como no escândalo do mensalão da era Lula, eram fictícios e dissimulavam a origem ilegal do dinheiro usado no esquema. Da denúncia do procurador-geral, que cita dois sócios de Valério e o candidato a vicegovernador na chapa de 1998: “Esse valor – R$ 4,5 milhões – foi quitado pela cúpula da campanha por meio do numerário injetado criminosamente pelos mecanismos profissionais liderados por Marcos Valério, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Clésio Andrade”. Os publicitários Cristiano de Mello Paz e Ramon Hollerbach Cardoso também tiveram os nomes
relacionados na denúncia encaminhada ao STF. , a origem da investigação em Minas Gerais vem de cópias de operações bancárias e uma relação de beneficiários de R$ 100 milhões, cujo vazamento foi atribuído ao lobista Nilton Monteiro. Para efeito de comparação, Eduardo Azeredo declarou à Justiça Eleitoral que o valor gasto na campanha ficou na casa dos R$ 8,5 milhões. A documentação assinada por Cláudio Mourão, supostamente autêntica, relaciona os R$ 100 milhões, dos quais R$ 24 milhões teriam cabido a Walfrido dos Mares Guia.

Os federais apuraram que R$ 10,8 milhões da bolada foram doados a 170 candidatos de 19 partidos políticos. O PT teve o maior número de agraciados, com 35 nomes (total de R$ 880 mil). Em seguida veio o PFL, com 14 beneficiados (R$ 1,3 milhão). No PSDB, o mais aquinhoado teria sido Aécio Neves, com R$ 110 mil. Em 1998, Aécio Neves foi eleito deputado federal.

Quatro anos depois, Aécio Neves elegeu-se governador de Minas Gerais. Nomeou o coordenador da sua campanha eleitoral, Danilo de Castro (PSDB-MG), como secretário de Governo. Em 2004, Danilo de Castro apareceu como avalista de um empréstimo de R$ 707 mil, firmado pela agência SMPB, de Marcos Valério, no Banco Rural. Um ano antes, o Governo de Minas Gerais contratava, por R$ 16,2 milhões, as agências SMPB e DNA, também de Valério. “Coincidentemente, as empresas de Marcos Valério venceram licitações para a publicidade do Governo de Minas, justamente com Danilo de Castro como secretário responsável pelo certame”, afirmou Antonio Fernando de Souza. Em 2006 Aécio Neves foi reeleito governador.

Voltemos ao episódio de 1998: Luiz Flávio Zampronha, delegado da Polícia Federal, classificou o mensalão mineiro como “complexa organização criminosa”. Valério faria empréstimos bancários, devolvidos em seguida com recursos supostamente desviados de empresas estatais, por meio de campanhas publicitárias fictícias, patrocínios para eventos esportivos,

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superfaturamento de serviços e outras fraudes. Além das estatais Bemge, Copasa, Comig e emig,
o relatório da Polícia Federal apontou, como origem do dinheiro de caixa 2, a Fundação Duprat de Segurança e Medicina do Trabalho e empresas contratadas pelo Governo de Minas. Para a Polícia Federal, seis empreiteiras doaram por baixo do pano R$ 8,2 milhões para a campanha de Eduardo Azeredo. Foram as seguintes: ARG, Queiroz Galvão, Egesa, Tratex, Erkal e Servix. Durante a administração de Eduardo Azeredo (1995-1998), as seis empresas teriam recebido R$ 296 milhões para executar obras no Estado. Conduzido pelo delegado Luiz Flávio Zampronha, o inquérito investigou supostos créditos bancários que alimentaram a campanha de 1998. De acordo com o policial, o esquema mineiro deixou “evidente que tais empréstimos não passaram de adiantamentos que foram posteriormente cobertos com recursos públicos desviados ou com valores disponibilizados por empresários que possuem fortes interesses econômicos junto ao Estado”. O policial comparou os esquemas de Minas e de Brasília. Concluiu que ambos misturaram os caixas de empresas de Marcos Valério, recursos de contratos publicitários e dinheiro de doações eleitorais clandestinas. Do inquérito: “Essa técnica, conhecida como commingling ou mescla, caracterizada por esquemas que procuram ocultar os recursos de origem criminosa dentro das atividades normais de estruturas empresariais, é a mais utilizada por organizações criminosas. Valério acredita na infalibilidade da metodologia (...) para dissimular a origem e ocultar o destino dos recursos da campanha, desconhecendo que essa tipologia de lavagem de dinheiro já foi devidamente esquadrinhada ao longo dos anos pelos organismos de repressão ao crime organizado.”

O procurador-geral da República denunciou o ex-governador Eduardo Azeredo ao STF por ter sido o “principal beneficiário” do mensalão mineiro. O mesmo Antonio Fernando de Souza, contudo, poupou Lula no caso do escândalo do mensalão, apesar de o presidente da República, da mesma forma, ter sido o principal beneficiário do suborno de parlamentares que lhe garantiram maioria no Congresso Nacional. Walfrido dos Mares Guia, aliás, cumpriu papel importante ao blindar Lula no primeiro mandato, fazendo uma cortina de fumaça acerca do envolvimento do presidente da República com o esquema do mensalão. Ministro do Turismo nomeado com o aval do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson (RJ), que denunciou o esquema, Walfrido não deu eco às acusações de Jefferson.

Ao denunciar o mensalão, Jefferson o apontara como testemunha das operações de compra de deputados e do alerta que fizera pessoalmente a Lula. Sem o endosso de Walfrido, ficou mais difícil acusar o presidente da República de não ter cumprido o dever constitucional de mandar investigar as denúncias que lhe teriam sido encaminhadas. Walfrido recebeu a recompensa. No segundo mandato, Lula o nomeou ministro das Relações Institucionais. Walfrido tornou-se figura central de todos os acertos, promessas, nomeações, negociações e liberação de verbas que envolviam parlamentares no início do segundo governo Lula. Ele resolvia problema do presidente, mas ficou difícil dissociá-lo do mensalão mineiro. Além da história do empréstimo de R$ 500 mil no Banco Rural e do depósito do dinheiro na conta de Marcos Valério para, supostamente, pagar dívida de Eduardo Azeredo com Cláudio Mourão, Walfrido havia sido o “homem forte” da campanha eleitoral de 1998.

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A Polícia Federal apreendera anotações feitas por Walfrido na época, contendo indicações de valores que seriam repassados a políticos por caixa 2. Em um dos casos, ele registrara no manuscrito repasse para Júnia Marise (PDT-MG), candidata a senadora e aliada de Eduardo Azeredo. Uma semana depois, policiais identificaram a entrada de R$ 200 mil nas contas bancárias pessoais de dois assessores dela, a partir de uma conta da SMPB de Valério. Homem rico, Walfrido possuía 595 escolas, uma das maiores redes de ensino particular do País. No final de 2005, passado o susto do escândalo do mensalão que poderia ter derrubado Lula, estreitou os laços de amizade com o presidente. Levou-o, em companhia da primeira-dama, dona Marisa Letícia, para passar dois dias na fazenda Vila do Carvalho, perto de Ouro Preto (MG), onde criava cavalos e mantinha coleção de cachaças de Minas Gerais.

Ameaçado pelas denúncias de corrupção da campanha de 1998, Lula tratou de proteger o ministro e amigo: “Vá em frente, Walfrido, defenda-se”, teria lhe dito o presidente no final de setembro de 2007. Lula ensaiou acabar com a fama de ser chefe de um governo com “queixo de vidro”, expressão usada no boxe para definir lutadores que vão ao solo ao levar o primeiro golpe.
No dia 24 daquele mês, ao tomar conhecimento da solicitação da Polícia Federal ao STF para quebrar o sigilo bancário da empresa Samos Participações, de Walfrido dos Mares Guia, Lula estava em Nova York. Telefonou para tranquilizar o ministro amigo:

- Toca para frente e faça seu trabalho.

Três dias depois, no Palácio do Planalto, o presidente falou aos jornalistas:

- O Walfrido tem me dito reiteradas vezes que se ele tivesse um milímetro de dúvida das coisas que ele fez, já teria me entregue o cargo. Por isso, ele merece a minha confiança total, e nós vamos fazer o que tiver de ser feito.

Menos de dois meses depois, Walfrido teve de sair do governo. Se não caiu no primeiro round da luta, foi ao chão logo no segundo. Já fazia tempo, porém, que Walfrido estava no noticiário da corrupção. No período em que foi vice-governador de Minas (1995-1998), solicitou 20 viagens em aviões oficiais para levar a mulher, filhos e amigos para Angra dos Reis (RJ), onde possuía casa de praia. As aeronaves do governo eram requisitadas sempre nos finais de semana e feriados. O Ministério Público o denunciou e pediu ressarcimento do dinheiro público.

Em 2005, a quebra do sigilo bancário das empresas de Marcos Valério pela CPI dos Correios revelou pagamentos de R$ 100 mil a parentes do ministro do Turismo. Walfrido tratou de justificar o dinheiro, atribuindo-o à venda de roupas finas em loja da família, a M. Guia. No relatório da Polícia Federal sobre a investigação do mensalão mineiro, Cláudio Mourão cita Walfrido por ter prestado informações ao Banco Rural segundo as quais as empresas de Valério tinham crédito junto ao Governo de Minas Gerais. Isso teria permitido que Valério levantasse R$ 9 milhões para a suspeita campanha de Eduardo Azeredo. No último dia útil de 2006, no apagar das luzes do primeiro mandato de Lula, Walfrido, ainda no Ministério do Turismo, assinou a liberação de R$ 2,4 milhões para a construção, entre outras coisas, de poço artesiano que beneficiaria empreendimento particular em Barretos (SP).

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Na véspera da queda de Walfrido, Lula reuniu-se com o ministro por duas horas. No dia seguinte, com a divulgação da notícia, o presidente emitiu nota aos jornalistas para dizer que “mantenho integral confiança na pessoa do ministro que, estou seguro, será inocentado das acusações”. E mais: “Durante quase cinco anos, Walfrido desempenhou com competência e dedicação as funções que lhe atribuí, primeiro à frente do Ministério do Turismo, depois no comando da articulação política do governo. Trata-se de uma grande perda.”

Relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) denunciou, em julho de 2008, ilegalidades “sistêmicas” em 31 contratos do Ministério do Turismo, todos assinados pelo então ministro Walfrido dos Mares Guia. Os contratos previam repasses de R$ 9,2 milhões a entidades privadas. O TCU pediu o ressarcimento aos cofres públicos de R$ 1,3 milhão referente a 11 dos contratos firmados, e determinou a suspensão dos outros 20 contratos que foram autorizados mas não haviam sido efetivados. A denúncia do procurador-geral da República sobre o mensalão mineiro foi aceita pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em novembro de 2009. O ministro Joaquim Barbosa pediu a investigação do ex-governador Eduardo Azeredo por crime de peculato, aquele em que o servidor público se apropria de dinheiro ou bens públicos, e por lavagem de dinheiro. Para Joaquim Barbosa, os casos do mensalão e do mensalão mineiro tinham semelhanças. O STF acolheu a denúncia contra o senador tucano por cinco votos a três.
Eduardo Azeredo não gostou da decisão do Ministério Público de apresentar como prova

de sua relação com Marcos Valério a troca de 58 ligações telefônicas entre os dois. Segundo ele, os telefonemas ocorreram ao longo de cinco anos e ele, Azeredo, só teria retornado duas das ligações de Valério. Depois, Azeredo reconheceria que conversou por telefone com Valério mais vezes. O senador comparou a sua situação à de Lula:

- O presidente Lula alegou que não sabia e foi inocentado. Acho estranho. Não vou entrar no mérito da questão, mas a situação é basicamente muito semelhante. Eu era governador, com uma campanha descentralizada, com delegações de poderes, e o presidente Lula também concorreu em situação semelhante e ele não recebeu nenhum inquérito a esse respeito. Com Walfrido dos Mares Guia no Ministério das Relações Institucionais em 2006, no segundo mandato de Lula, a pasta tornou-se o departamento federal responsável pela distribuição da fisiologia. No começo da era Lula, em 2003, a atribuição fazia parte do Ministério da Casa Civil, sob comando de José Dirceu (PT-SP). Quem tocava o dia a dia das relações com os parlamentares era o assessor Waldomiro Diniz, posteriormente forçado, como vimos, a se afastar do governo. Também passaram pelas Relações Institucionais Aldo Rebelo (PC do B-SP), Jaques Wagner (PT-BA) e Tarso Genro (PT-RS).

Para suceder Walfrido, Lula escolheu o deputado José Múcio Monteiro (PTB-PE). Ele ocupara o posto de líder do PTB na Câmara dos Deputados por influência do presidente do partido, Roberto Jefferson (RJ). Como Walfrido, que virou ministro do Turismo com a anuência de Jefferson, Múcio tinha fortes ligações com o presidente do PTB. Mas, da mesma forma que Walfrido, agiu para blindar Lula ao não dar eco às denúncias de Jefferson sobre o pagamento de mensalões. Como Walfrido, foi recompensado por Lula. No segundo

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mandato, Múcio tornou-se líder do governo na Câmara dos Deputados. Com a saída de Walfrido, Múcio foi promovido mais uma vez. Virou o ministro das Relações Institucionais no lugar de Walfrido. Na véspera de se tornar ministro, porém, Múcio teve longa conversa com Roberto
Jefferson, o presidente nacional do PTB. Não se sabe o que conversaram. Foi Jefferson quem o trouxera para o PTB. Plantador de cana-de-açúcar, Múcio sempre se posicionou como defensor de interesses dos usineiros de Pernambuco. Durante o escândalo do mensalão, Jefferson o mencionou várias vezes como testemunha das tentativas de cooptação e suborno de deputados do PTB por parte da direção do PT. Na denúncia do mensalão, o nome de Múcio apareceu como um dos articuladores do acordo pelo qual o PT ficou de repassar R$ 20 milhões ao PTB, na campanha eleitoral de 2004. Emerson Palmieri, tesoureiro informal do PTB, relatou reunião da qual Múcio e Jefferson participaram, para discutir com José Genoino, Delúbio Soares e Silvio Pereira, a cúpula do PT, a entrega de dinheiro de caixa 2 para o PTB. Mas Múcio silenciou. Não
prejudicou Lula. No final de 2009, para recompensá-lo pelos diversos serviços prestados, Lula o indicou para uma vaga no TCU (Tribunal de Contas da União).

Em 19 de dezembro de 2007, Walfrido dos Mares Guia voltou a Brasília pela primeira vez desde que saíra do governo Lula. Abriu sua casa para comemorar o final do ano. Participaram da festa os ministros Dilma Rousseff (PT-RS), da Casa Civil, Nelson Jobim (PMDB-RS), da Defesa, e o ex-ministro José Dirceu (PT-SP). A comemoração entrou pela madrugada. José Múcio foi a grande atração. Tocou músicas de sua autoria no violão, interpretou compositores românticos, dançou e recitou poemas nordestinos.

O ano de 2008 começou quente. Lula logo perdeu sua ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro (PT-SP). Ela fez despesas irregulares com cartão de crédito bancado pelo governo. O chamado “dinheiro de plástico” deveria ser usado para efetuar gastos decorrentes do exercício da função, como compra de materiais de escritório e serviços de manutenção. Pois bem: Matilde Ribeiro gastou R$ 171.556 em 2007, e mandou a conta para o governo. Foram R$ 14.300 em média por mês, mais que os R$ 10.700 do salário de ministra.

A Comissão de Ética Pública pediu à CGU (Controladoria-Geral da União) investigação sobre indícios de atos criminosos. Somente em 2007, Matilde Ribeiro usou dinheiro público para pagar 67 contas em hotéis. Apesar de tentar justificar os gastos com viagens para 14 Estados com a finalidade de intensificar contatos com governadores, a ministra usou o cartão, na maioria das vezes, em São Paulo e no Rio de Janeiro, e nos finais de semana. Na capital paulista, hospedava-se no luxuoso hotel Pestana, nos Jardins, e gostava de frequentar o sofisticado restaurante Miski, especializado em comida árabe, próximo do hotel. E era freguesa de outros bons restaurantes da cidade.
No Rio, Matilde Ribeiro ficava no tradicional hotel Glória e optava pelo restaurante Empório Santa Fé, no Flamengo. A ministra não dispensou incursões ao bar Amarelinho, famoso pelo chope gelado. Em 16 de julho de 2007, chamou a atenção o uso do cartão corporativo para saldar contas em três restaurantes no Rio. Matilde Ribeiro esteve no Empório Santa Fé, na churrascaria Cajuti e no Quiosque Pertaqui. Uma pedra no sapato dela: o

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gasto misterioso de R$ 461,16 num free-shop, após viagem de lua-de-mel. A ministra alegou que fez a compra com o cartão do governo por engano, mas só devolveu o dinheiro quase três meses depois, com a notícia nos jornais. Matilde Ribeiro gastou a maior parte do dinheiro alugando automóveis. Jamais fez licitação para contratar os serviços. Solicitava, sempre que conseguia, veículos Astra, com motorista. E sempre na mesma locadora, a Localiza. Em 2007, foram R$ 120.281. No ano anterior, nos cinco meses que teve o cartão do governo nas mãos, fez gastos no valor de R$ 55.532, sendo R$ 43.883 com aluguel de carros. E em janeiro de 2008, antes de ser obrigada a deixar o cargo, já havia feito um dispêndio de R$ 11.623 com a locação de veículos. Total em 18 meses: R$ 175.788, apenas em aluguel de automóveis. Média mensal de R$ 9.766. O escândalo do “dinheiro de plástico” atingiu outros dois ministros de Lula: Orlando Silva (PC do B-BA), dos Esportes, e Altemir Gregolin (PT-SC), da Pesca. O primeiro pagou conta de restaurante no bairro dos Jardins, em São Paulo, no valor R$ 468. Em outra ocasião, num único dia, usou o cartão corporativo para quitar duas contas em restaurantes da capital paulista: R$ 198 em churrascaria e R$ 217 em restaurante francês. Orlando Silva se encrencou ao usar o cartão corporativo para pagar R$ 8,30 por uma tapioca, quitute da cozinha nordestina. Cinco meses depois, devolveu o dinheiro. Já Altemir Gregolin tratou de explicar gastos de R$ 512 num restaurante em Brasília com a alegação de que recebera uma comitiva pesqueira da China. Os preferidos de Altemir Gregolin eram os restaurantes italianos de Chapecó (SC). Os três ministros, juntos, pagaram despesas com cartão corporativo em 158 restaurantes, lanchonetes e bares em 2007. No caso de Altemir Gregolin, chamou a atenção três despesas em restaurantes cariocas na Quarta-Feira de Cinzas. Defendeu-se com a alegação de que trabalhara no Carnaval daquele ano. Assistira aos desfiles com o ministro da Pesca da Noruega, que estava no Brasil para ver uma escola de samba cujo tema do enredo era o bacalhau.

Quem afinal teve de deixar o cargo e perder a mordomia dos cartões corporativos foi Matilde Ribeiro. Saiu do governo em 1º de fevereiro de 2008, sem explicar a compra no freee-shop. Em agosto de 2008, o Ministério Público Federal a denunciou à Justiça. A ex-ministra foi acusada de improbidade administrativa por ter causado “grave dano ao erário” ao utilizar dinheiro público de forma “imoral”. O Ministério Público cobrou a devolução de R$ 160 mil gastos por Matilde Ribeiro com o cartão corporativo. Pelo menos outros dez ministros de Lula participaram da farra dos cartões, mas foram prevenidos: puseram assessores para fazer as compras. São os seguintes: Hélio Costa (Comunicações), Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia), Tarso Genro (Justiça), Jorge Hage (Controladoria-Geral da União), Paulo Bernardo (Planejamento), Fernando Haddad (Educação), Nelson Jobim (Defesa), Gilberto Gil (Cultura), Nilcéa Freire (Políticas para Mulheres) e Alfredo Nascimento (Transportes). Orlando Silva, dos Esportes, foi rápido no gatilho. Convocou à imprensa às pressas para anunciar a devolução de R$ 30.870, tudo o que havia gastado com o cartão corporativo. Justificou a medida “radical” por estar indignado com o noticiário, que teria “ultrapassado os limites”. Ele só admitiu um erro: a maldita tapioca, de R$ 8,30.

Lula elogiou o gesto do ministro.

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Em 6 de fevereiro de 2008, quatro dias depois, veio à tona a informação de que Orlando Silva usara o cartão corporativo para pagar R$ 2.791 referentes a diárias no luxuoso Plaza Copacabana Hotel, no Rio, onde se hospedou com a mulher, a filha e a babá, num fim de semana prolongado. Ele não comentou. Na posse do novo ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, Lula fez desagravo a Matilde Ribeiro. Disse que ela, ausente da festa, não cometera crime ou delito, mas apenas falhas administrativas. O presidente a definiu como a mesma “companheira intocável” dos tempos de militância no PT de Santo André (SP), terra do ex-prefeito Celso Daniel.

O governo Lula disponibilizou 11.510 cartões de crédito para funcionários federais.
Em 2003, no primeiro ano de sua gestão, chegaram a R$ 8,7 milhões os gastos com cartões.

Em 2007, quatro anos depois, as despesas alcançaram R$ 78 milhões, quase nove vezes mais.

Dos R$ 78 milhões, R$ 58 milhões sacados em dinheiro vivo, em caixas eletrônicos. Gastos secretos, usando os cartões, também foram altos.

Em 2008, atingiram o teto de R$ 18,7 milhões.

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